Sindrome de Ehlers Danlos | Como a musculação pode ajudar!
Um trabalho reaalizado no instituto Biodelta em São Paulo mostrou que treinamento resistido pesado é eficiente e seguro mesmo em doença genética do tecido conjuntivo.
Segue abaixo o trabalho na íntegra.
O treinamento resistido (TR) é reconhecido pelos seus efeitos na estrutura e função dos músculos esqueléticos, justificando que a sua prática seja conhecida como “musculação”. Os efeitos inicialmente reconhecidos foram a hipertrofia, a força, a potência e a resistência anaeróbia. Mais recentemente foram identificados o aumento da elasticidade e o fortalecimento dos tendões. O aumento da elasticidade decorre da proliferação de tecido conjuntivo funcional, estimulado pela contração excêntrica. A contração excêntrica lenta é a mais eficiente forma de alongamento muscular, contribuindo para o controle de dores miofasciais e dores referidas e irradiadas, além de facilitar o aumento da flexibilidade articular. O fortalecimento e hipertrofia dos tendões também foi documentado como efeito do TR, explicando os bons resultados no tratamento de tendinites crônicas, principalmente por tendinoses (desgastes).
Pessoas que apresentam geneticamente maior elasticidade do tecido conjuntivo frequentemente são orgulhosas de terem grande flexibilidade articular, mas essa não é a situação ideal do ponto de vista da segurança. Pessoas muito flexíveis são mais propensas a lesões articulares, sobrecarregando os músculos e tendões na tentativa de estabilizar as articulações. Essa é uma causa frequente de tendinites crônicas.
Nas doenças genéticas do tecido conjuntivo a situação de instabilidade articular é grande, tornando as articulações muito vulneráveis. A Sindrome de Ehlers Danlos (SHD), caracterizada por hipermobilidade articular, grande extensibilidade da pele e fragilidade de tecidos é um exemplo dessa situação.
Os autores deste trabalho inicialmente comentam dados de literatura documentando que as pessoas com SHD apresentam diminuição importante da resistência do tendão patelar e 76% das pessoas com SHD apresentam queixas de dores articulares. A frequente queixa de fadiga foi identificada como proporcional à fraqueza muscular. Também é citado no trabalho que recentes posicionamentos de atividade física para pacientes com SED recomendam promover condicionamento aeróbico e incluir alongamento suave, exercícios de propriocepção e exercícios de fortalecimento, mas evitando “excessivo levantamento de peso”.
A proposta do trabalho foi verificar se pessoas com SHD apresentam respostas favoráveis ao TR pesado, com segurança, como no caso da população não afetada. Admite-se que as conclusões possam ser transferidas para pessoas com grande flexibilidade articular, embora sem serem identificadas como portadoras de síndrome genética clássica.
Seis pessoas com SHD iniciaram um programa de TR, mas três desistiram por dificuldades de transporte, sem qualquer efeito indesejável do treinamento. As três pessoas restantes, duas mulheres com idades de 42 e 64 anos e um homem com 28 anos, foram submetidas a TR pesado durante 4 meses e as características morfológicas e funcionais de tendões e músculos foram avaliadas antes e depois do treinamento.
O treinamento consistiu em três sessões semanais com seguintes exercícios: leg press, cadeira extensora, cadeira flexora, flexões plantares, press peitoral, remada sentada, flexões abdominais e extensões lombares. Testes de carga máxima foram realizados para avaliar a evolução da força. Em cada exercício foram realizadas de 3 à 5 séries com repetições entre 5 e 10, com cargas progressivas. Os pesos de treinamento foram aumentados sempre que as pessoas conseguiam realizar mais repetições nas séries pesadas. O primeiro mês de treinamento foi considerado adaptação e não ocorreu esforço máximo em nenhum exercício.
Avaliações foram realizadas antes e depois do período de treinamento:
1) As propriedades mecânicas do tendão patelar foram avaliadas em uma série de contrações isométricas do quadríceps com cargas progressivas, conjugando os dados de tensão medida por equipamento específico e os dados de alongamento medidos por ultra-som.
2) Força isométrica do quadríceps em cadeira extensora medida com dinamômetro.
3) Potência de extensão da perna, avaliada em equipamento específico.
4) Força dinâmica de treinamento avaliada pelo teste de 5 RM (carga máxima possível para cinco repetições).
5) Força funcional avaliada pelo número de repetições em 30 segundos no movimento de levantar de uma cadeira.
6) Equilíbrio avaliado em teste específico em plataforma de força.
7) Fadiga avaliada por questionário específico com as dimensões de sensação subjetiva, redução de motivação, redução de atividade e redução de concentração.
8) Composição corporal avaliada pelo DEXA, equipamento usado habitualmente para medir a densitometria óssea.
Os seguintes resultados foram obtidos:
1) A resistência do tendão patelar aumentou 38,4%.
2) A força isométrica aumentou em 10.9%.
3) A potência de extensão da perna aumentou em 5,1%.
4) A força dinâmica de treinamento aumentou em 34% nos exercícios para a parte superior do corpo e em 31% para os exercícios para a parte inferior.
5) A força funcional aumentou em 20%.
6) O equilíbrio melhorou em 25%.
7) No questionário de fadiga ocorreu melhora de 17,6% na pontuação total e de 24,2% na avaliação subjetiva de fadiga.
8) A avaliação da composição corporal mostrou que ocorreu perda de peso corporal, principalmente devida à perda de massa muscular.
Como conclusões os autores comentam que o TR pesado foi eficiente e seguro para os participantes com SHD, com importantes efeitos positivos sobre a funcionalidade de músculos e tendões, e sobre a sensação de fadiga.
Um trabalho de estudo de casos com poucos participantes não é suficiente para definir novos conceitos, mas são evidências que devem ser consideradas. Destacamos a importância de que mesmo pessoas com tecido conjuntivo geneticamente fragilizado conseguem realizar o TR com segurança e obter importantes efeitos no sentido de melhor funcionalidade, menos dores e menor sensação de fadiga. O aumento da resistência dos tendões mesmo nessas pessoas é um aspecto estimulante para a utilização do TR em tendinopatias na população geral. A variação não esperada da composição corporal precisa ser analisada considerando que não foram controladas variáveis importantes como alimentação, hidratação, outras formas de atividade física concorrentes, medicamentos e nível de estresse psicológico. Aspecto importante é que os resultados deste trabalho são evidências no sentido de que as recomendações atuais para atividade física em pessoas com SHD precisam ser revistas com relação ao TR pesado.
O treinamento resistido pesado é eficiente e seguro mesmo em doença genética do tecido conjuntivo.
Mathias Bech Møller; Michael Kjær; René Brüggebusch Svensson; Jesper Lovind Andersen; Stig Peter Magnusson; Rie Harboe Nielsen, 2014.
Muscles, Ligaments and Tendons Journal 2014; 4 (3): 315-323.